
Com mais de 300 mil inscritos e 400 vídeos, o canal Histórias de Cego, do jornalista Marcos Lima, é uma fonte descontraída de informação acerca do cotidiano de uma pessoa cega.
Muitos dos vídeos partem de sugestões dos inscritos que tem a curiosidade de saber como os cegos viajam sozinhos de avião, como sabem o lado certo na hora de colocar a máscara, como reconhecem as pessoas, etc.
Marcos gentilmente concedeu uma entrevista falando sobre esporte, inclusão, educação e representatividade à ONG OCA. Confira:
O seu conteúdo no Youtube é super bem-humorado e informativo. Você sempre foi descontraído? Como agir dessa forma ajuda no canal e na vida?
ML: Acho que sim, sempre fui assim. Eu acho que o humor é uma forma de falar com as pessoas, de chegar no coração delas. Tristezas todo mundo têm as suas, então eu procuro ser de uma forma mais leve. Até porque eu sou assim, eu brinco muito, o que não quer dizer que eu não tenha as minhas tristezas, meus problemas, todos temos, né? Mas acho que essa é uma forma melhor de falar com as pessoas.
Os Jogos Paralímpicos Rio 2016 contaram com a sua contribuição na organização. Como o esporte te influenciou? E de que maneira a prática esportiva auxilia na inclusão?
ML: O esporte foi muito importante na minha vida, é engraçado porque eu nunca fui um atleta de destaque, nunca participei de Jogos Paralímpicos. Inclusive porque na época que eu estava participando poderia ter chance, mas foi quando passei na faculdade, os treinos eram no mesmo horário das aulas. Mas e até por isso, por eu não ter sido um atleta destaque, nunca ter ganho dinheiro com o esporte, digo com muita tranquilidade que mesmo para mim o esporte foi muito importante. O esporte para pessoas com deficiência é importante porque a pessoa com deficiência, a criança cega, ouve um monte de não. E quando você joga bola, por exemplo, você não pode dizer que não vai fazer a coisa porque é cego, né? É importante para a família, porque ela vê o seu potencial, e é muito importante para a sociedade, porque quando as pessoas assistem alguém com deficiência praticando algum esporte, o sentimento que vem não é de pena, mas de admiração. Então o esporte é como um cartão de visitas que apresenta a pessoa com deficiência de uma forma positiva para a sociedade.
Você sempre teve vontade de cursar jornalismo? Ou chegou a cogitar outros cursos?
ML: Nada, pensei que ia fazer informática, porque eu sabia que pessoas cegas podiam fazer informática e se tornar, por exemplo, analistas de sistemas. E como eu ficava muito tempo no computador, era óbvio que tinha que trabalhar com informática. Mas, no dia em que me inscrevi pela primeira vez para o vestibular, me dei conta de que eu ficava no computador muito tempo sim, mas porque gostava de escrever e não porque gostava do computador em si. Então decidi fazer comunicação social.
No vídeo, “Por que não existem príncipes cegos?”, você reflete sobre a presença inexpressiva de protagonistas cegos nas histórias infantis, contos de fadas e animações da Disney. Como o contato desde a infância com a representatividade pode contribuir para a inclusão?
ML: A questão da representatividade é muito importante, não só para pessoas com deficiência, mas para crianças negras, crianças que fogem do estereótipo dos príncipes e princesas das histórias. Porque isso acaba passando uma imagem, mesmo que inconsciente — e as mensagens inconscientes são muito fortes —, de que aquele é o ideal de beleza, de que aquele é o ideal de uma pessoa feliz ou bem-sucedida. Eu acho que até para o bullying nas escolas, uma maior representatividade faria sentido, sabe? Eu acredito que uma criança se ver em uma história, ela ter um espelho, é muito importante, porque é muito importante para uma criança com deficiência visual conhecer outras crianças com deficiência visual. Ela não vai ter aquela sensação de que é só com ela e vai poder aprender com a experiência. E é muito bom você poder conviver com pessoas que têm a mesma deficiência que você, porque se todo mundo tem a mesma deficiência, então ela não pode ser desculpa. Se uma pessoa naquele grupo faz alguma coisa, um exemplo simples, amarrar o tênis, a outra pessoa com deficiência que está ali não vai poder dizer que não consegue fazer o mesmo porque é cega. Quando só há convivência com pessoas que enxergam, ela pode colocar na conta da deficiência coisas que são apenas falta de incentivo.
Marcos, grande parte dos educadores enxerga a existência de escolas especiais como um retrocesso. O que você pensa sobre isso?
ML: É um retrocesso sim a gente pensar em voltar com a escola especial. Eu estudei nos dois modelos, escola especial e escola regular, sei as vantagens e desvantagens das duas, no meu livro, inclusive, escrevi um texto sobre isso. Não é um assunto simples, mas ele já vem sendo discutido, temos a lei brasileira de inclusão de 2015 e o nosso mundo agora não dá mais para falar em exclusão, precisamos falar em inclusão. Incluir, não é que está na moda, é uma evolução da humanidade. Eu sou muito fã do que vivi na escola especial, acho que as pessoas com deficiência precisam de um apoio de ensino e tudo mais, mas o modelo da escola especial é muito duro. Por exemplo, a escola em que eu estudava era apenas uma escola para uma cidade como o Rio de Janeiro. Uma escola maravilhosa, mas a maioria dos alunos chegava na segunda-feira de manhã e ia embora na sexta-feira à tarde, porque os pais não tinham como levar e buscar por conta da distância. Era uma distância enorme e nós estamos falando de crianças de oito, nove, dez anos que ficavam sem a família. Não adianta achar que vamos ter uma escola especial por bairro, não dá, não tem estrutura e não tem aluno suficiente. Imagina em uma cidade pequena, a criança não vai estudar por que ali não tem escola especial? Vamos ter que construir uma escola especial em cada cidade média do Brasil? É mais fácil investirmos nas escolas regulares e na formação dos professores.
Confira o canal Histórias de Cego aqui
Por: Thaís Ariel
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